segunda-feira, 18 de maio de 2015

Quantos dos seus amigos são Porcos Espinhos?


Ela tinha 11 anos gostava de se esconder, filmar os outros e queria se matar no próximo aniversário. Sentia que para ela havia um lugar no mundo, mas de tal forma ilógico e predestinado que a tornava depressiva.
Essa é Paloma, personagem do filme “O Porco Espinho”, o primeiro filme da diretora francesa Mona Achache, lançado em 2009.
Durante o filme acompanhamos Paloma construindo laços afetivos com Kakuro Ozu, o novo morador do prédio, e Renée, a zeladora “educada, mas não simpática”. Entre outros elementos, há um, que considero o principal conector entre as personagens: o conhecimento.
É fácil se identificar com as personagens e recordar momentos como o delas: uma frase completada por um desconhecido, a arrogância de quem te acha invisível, a briga com os pais, a gentileza inesperada, trocar olhares de entendimento e etc...
Sabe aquela sensação de: eu queria que essas pessoas fossem minhas amigas? Como viram é fácil gostar do filme. 
O que é difícil é olhar para o lado e não sentir isso. Não entendam como auto piedade, é apenas uma constatação: laços afetivos estão cada vez mais escassos. Encontrar-se no mundo às vezes parece impossível.
Não é uma mera questão racional, como por exemplo: “ah, temos os mesmos gostos, seremos amigos”, ou “Temos amigos em comum, logo nos identificaremos”... não é isso de que falo.
Falo de olhar para o outro e perceber e admirar a grandeza abismal de sentimentos, pensamentos, experiências que estão na sua frente, de reconhecer um coração batendo e vivendo tanto quanto o seu, ver a beleza da dialética entre qualidades e defeitos que constroem e reconstroem aquele ser a cada instante.
É poder conversar horas a fio sem precisar, sem cobrar e se sentir confortável nos silêncios. É se conectar e querer manter a conexão apesar das divergências. É saber que assim você aquela pessoa também luta e sonha com algo melhor. Poder chorar sem sentir vergonha e rir de absurdos.
Eu encontro no mínimo 40 pessoas todos dos dias, segundo meu Facebook eu já me encontrei e cumprimentei umas 800 pessoas.
E com quantas eu sinto a tal da conectividade? Sendo otimista: com 5 pessoas, sendo que 3 dessas eu raramente encontro/converso. E então eu só posso concordar com Nietzsche quando ele diz: “A arte existe para que a realidade não nos destrua.”, logo  desejo que a música, os livros e os filmes nos ofereçam suas mãos, nos abracem na carência, riam da nossa melancolia e afaguem nossos corações. 

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Como me tornei uma mulher e feminista


Quase minha vida toda eu admirei homens, homens do gênero masculino, digo. Os meus cantores favoritos eram homens, os escritores e poetas também homens, bem como atores e a maioria dos meus amigos sempre foram homens.
Quando era pequena e não gostava de brincar de boneca e casinha, vestia-me com “roupas de menino” e um boné na cabeça para jogar futebol na rua, subir na árvore, andar de bicicleta, jogar bete com meus amigos “homens”.
Minhas referências femininas sempre foram mulheres fortes: minha mãe: mandona e incisiva; minha avó materna: de aparência fria, trabalhadora e independente, uma fortaleza; minha avó paterna: corajosa e senhora de suas próprias convicções e vontades. Porém... Sempre houve um porém que eu nunca soube qual era.
O fato é que eu sempre achei os garotos mais legais e eu me sentia mais a vontade com eles. Houve um caso em que chegaram a insinuar que eu era homossexual (como se isso fosse uma monstruosidade), mas no momento eu estava mais preocupada em escolher um adesivo bacana de carrinhos....
Na adolescência eu comecei a fazer amizade com ambos os sexos com uma facilidade maior, no entanto continuei ser a moleca/estranha da turma. Enquanto minhas amigas estavam se maquiando, emagrecendo e alisando o cabelo, eu colocava meu jeans cuidadosamente rasgado, soltava minha juba “à La Caetano tropicália” e ia feliz com meus muitos quilos acima do peso ideal “conquistar o mundo”.
Eu não conquistei o mundo e tive mil e uma desilusões e minha autoestima foi esmagada pelos padrões de beleza e de comportamento (mas eu tinha algum orgulho na época e fingia que “nada me ofendia”). Ouvi muitas vezes: “ele não gosta de você porque você é gorda”, “você não vai arrumar namorado, prenda essa cabelo”, “você tem que ser mais delicada e se vestir como uma mocinha”.
Curiosamente, sofrendo pelo machismo (eu não sabia o que era isso na época) continuava devota e apaixonada pelos homens. Eu admirava os meus professores e alguma ou nenhuma professora, e quem eu culpava era minha mãe e minha avó pelas palavras que tanto me magoavam. Eu era adolescente e não entendia (por isso a necessidade de chegar às adolescentes) que elas apenas reproduziam o que aprenderam, tão sujeitadas aos padrões quanto o restante do mundo.
Hoje, pensando melhor, acho que minha antiga identificação com o mundo masculino era um simples desejo de ter o que eles tinham/têm (e eu não estou me referindo a um falo, com o freudistas –sim, freudistas e não freudianos- podem supor). O que eu quero dizer é que o meu irmão podia brincar livremente pela rua, correr e se machucar e estava “tudo bem” porque era “coisa de menino”, os rapazes adolescentes podiam chegar casa mais tarde, ficar com várias garotas e até ouvir rock (é, disseram que rock era coisa de moleque) sem serem recriminados, os homens sempre me pareceram mais seguros e donos de si, afinal tinham/têm um espaço no mundo e isso era/é escancarado, defendido e legitimado.

Logo, eu só “queria ser homem” porque eu queria ter voz. Felizmente, em algum momento eu me dei conta que eu não precisava ser isso ou aquilo para ter voz, bastava ser EU para ter a “MINHA” voz. E com um pouquinho mais de tempo, percebi que me identificando com o gênero feminino deveria me juntar e lutar por todas as vozes das pessoas que se identificam também e sofrem com a opressão (na maioria das vezes muito mais perversa do que eu sofri) do patriarcado e do machismo. 

terça-feira, 12 de maio de 2015

Depressão, Dans La Cour e Cássia Eller

Eu tenho depressão. Eu já nem sei há quanto tempo e me trato a mais de 10 anos. Sempre li muito sobre a doença  e busquei as causas numa vã expectativa de cortar o mal pela raiz. Não consegui e hoje tenho consciência que não conseguirei. E pelo contrário do que possam imaginar, acho isso bom, essa certeza me deixa em paz. Ter depressão não significa estar sempre num quadro depressivo. Entre tantos sentimentos e comportamentos que a depressão pode causar, para mim, o pior é o da ausência. Hoje eu vivo sedenta, tentando evitar a ausência.
Estou falando disso porque acabei de ver um filme que trata do assunto “Dans La Cour”, de Pierri Salvadori. Como na maioria das vezes, eu escolho os filmes pelas características mais simplórias: a capa me agradou, tem algum ator que eu gosto, a sinopse é interessante. O filme em questão não foi escolhido pela sinopse, escolhi pelo simples fato de ser francês e com a Catherine Deneuve. Achei o início insosso e acabei adormecendo, mas as personagens tinham algo que me agradava e achei injusto desistir assim logo de cara. Retomei a sessão pela manhã e felizmente fui até o final.
Dans La Cour é leve, melancólico e doce. E em uma única cena o diretor conseguiu exprimir exatamente o que é o estado depressivo: Antoine (um músico que abandonou a carreira para ser ‘qualquer coisa’, tornou-se porteiro e foi  fazer o que chamou de trabalho ideal “lavar e esfregar”) encontra a ex-esposa e ela lhe pede que volte para casa e confessa estar triste, sem saber o que fazer ele apenas diz: “Tenho inveja de você”. Sim, ele tem inveja, ela ainda sente... mesmo que seja algo ruim, ela sente.
Mario Sérgio Cortella uma vez definiu a depressão não como “o contrário de estar feliz” e sim como “ausência”. E é exatamente isso que Antoine tem : um vácuo de sentimento, de vontade, de vida.  Como a personagem de Catharine, Mathilde (também depressiva, mas em uma situação diferente), o descreve no final: “Homem em si, alheio as circunstâncias”.
Quando nos percebermos assim, “alheios” e apáticos vem um desespero que Cássia cantaria em:  “Já não sinto amor, nem dor, já não sinto nada. Socorro, alguém me dê um coração, que este já não bate nem apanha.”. Mas depois... depois não há o que fazer, nos acostumamos e viramos robôs que apenas respiram e respondem automaticamente.
Não é fácil sair deste estado, já estive muitas vezes nele e já vi pessoas próximas e que gosto muito assim também. A primeira vez que fiquei reclusa foi com 17 anos, fiquei 5 meses sem sair do quarto e me lembro disso vagamente, minha mente adora apagar minhas crises.
Numa lista que fiz de 30 familiares/amigos, 17 foram diagnosticados e 7 apresentavam sintomas de depressão. Pouquíssimos fizeram tratamento por vergonha, por preguiça, por desânimo, por não acreditar em terapia, por não querer tomar remédios, por não ter dinheiro. Entristeço-me com essa situação mas cada um tem seu tempo e suas formas de lidar com seus monstros interiores.

Como disse no começo hoje eu tenho sede e tento me manter sedenta. Por tudo, por todos, por cada conversa, cada palavra, cada contato, cada momento, cada sentimento. Eu me alegro com meu riso e no fundo me alegro também com meu choro. Minha tristeza, dor e choro são sinais de vida. E buscando a paz me dei conta de que a paz está nisso: no sentir e querer viver.