quarta-feira, 23 de julho de 2014


Os dias estavam quentíssimos e todo o mormaço do ambiente era sugado pelo nariz das pessoas, o que era para ser oxigênio alimentando células mais parecia enxofre invadindo suas almas.
 Os ossos como se desestruturados não mantinham a firmeza dos corpos e os olhos, os órgãos e as vísceras derretendo. Se olhasse atentamente para a pele viscosa, veria as gotas salgadas surgindo incessantemente dos poros.
Ela detestava o calor, aquelas vozes cansadas entupiam seus ouvidos. Aquele não era seu lugar. Não num dia 15, independente do mês e ano. Não, não era para estar ali.
Faltavam exatamente 3 horas e 17 minutos para ir embora. Levantou, olhou pela janela e olhou as tristes árvores que não acenavam nenhuma folha. Sentou e escreveu o esboço do projeto. Olhou para o relógio e só haviam passados 20 minutos.
Esbravejou:
_Como pode?
Todos olharam para ela. Ruborizada, sorriu forçadamente e disse que o computador estava travando. Então, sorriram e ignoraram-na.
Respirou fundo, perguntou mentalmente se ele ainda lembrava-se da data, entristeceu-se, claro que não. Não fazia diferença. Haviam brigado. Discutiram por algo que ela nem lembrava mais. Maldita comunicação!
Levantou-se, foi a cozinha, abriu a velha geladeira que já não gelava, pegou água. A água fresca na boca trazia alivio e por 3 segundos, esqueceu-se de todos os problemas, quando o líquido desceu sua garganta e enlagueou o estômago. Ao levar, lentamente, o copo a pia, uma joaninha vermelha posou em sua mão. Aproximou a mão dos olhos e viu o inseto abrindo seus dois pares de asas e de súbito voando. Sorriu e lacrimejou.
Uma pequena felicidade, uma leve esperança atingira seu coração. Resolveu mandar um e-mail para um amado e na falta de palavras existentes no mundo para se expressar, escreveu: sinto sua falta. Fechou o e-mail e conteve-se para não esperar, em vão, uma resposta.
Já na hora de partir, pegou suas coisas, desceu as escadas, sentiu um doce vento no rosto. Olhou para o portão e viu uma silhueta conhecida. Estava delirando? Aproximando-se, o cheiro também era conhecido. Tocou o braço do homem e sentiu os macios pelos correspondendo ao toque. Sorriram, abraçaram-se, mas não disseram nada.
Já na casa dela, em silêncio, ambos se olhavam. Ela, com o coração disparado, queria entrar naquele olhar  que apesar de tímido, era revelador. Quase verde tal como uma mata tropical distante prometendo o paraíso. A pele branca, o cheiro, a barba sedosa. Ela se deu conta do quão era bonito e o quanto ela o desejava não somente naquele momento, mas para sempre, além-vida.

Ele inclinou delicadamente  o rosto para perto do dela. Fecharam os olhos e instintivamente as bocas se encontraram. Os lábios, a língua e a saliva dele eram como a água que ela bebera à tarde, mas dessa vez o alivio não foi apenas de três segundos, ela sabia que aquele alívio seria para a vida toda.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Promíscua?

Não, não é que eu seja promíscua como ele me disse da última vez. Teria me chamado puta, mas um "palavrão" em sua boca seria como um verme em pétalas de rosa. Era doce demais, gentil demais e sem graça demais para aumentar o tom de voz, soltar sua fúria, xingar... velho!
Mas não vamos nos ater a ele e sim a mim, que é quem realmente importa. Não sou promíscua, eu só me aceito e não sou hipócrita.
Sou como uma longa língua de serpente que rodeia as mais sinuosas e minúsculas partes de um corpo, procurando onde cravar as presas e liberar fluidos. Isso não é maldade, é apenas solidão. Preciso dos outros tanto quanto o pintor precisa dos girassóis amarelíssimos ainda desfeitos nas cerdas do pincel. Preciso dos outros  tanto quanto o fogo do absinto precisa da língua. Preciso dos outros tanto quanto as vozes dos desaparecidos precisam da escuridão para se multiplicar
Nem vulgar eu chego a ser. Sou distante e próxima como uma visão amanhecida em meio a suor, gemidos e raios de sol que mormaçam o quarto. Dor ou prazer, não importa, penetrei pela narina e sai pelos poros num suspiro profundo, num piscar dobrado. Queriam mais e eu também. Efêmera, só intensidade ofereço e sempre deixo isso bem claro. A promiscuidade permitiria isso? O esclarecimento dos fatos, o jogo limpo?
Denominem-me do que quiserem: santa, vagabunda, criança, maliciosa, exótica, culta, estúpida, profana. Sintam o que puderem: amor, desejo, ódio, compaixão, empatia, tesão. Creiam os senhores, tão sabidos de mim, que  eu-não-me-im-por-to. Essa necessidade de classificação só mostra os quão medíocres os sábios são. Aristóteles que dane com seus métodos. O bom é ser e sentir e não falar como e para que ser e sentir.
Amei a todos. Uma pequenina parte de todos: o olhar juvenil de um, a risadinha forçada do outro, as pequenas falhas da sobrancelha negríssima, os dedos  pontiagudos das compridas mãos, a boca fina de sorriso caído, as orelhas pequeninas, os pelos exagerados, a cicatriz na barriga... amei pequenos detalhes, pequenos gestos e principalmente as pequenas dúvidas de cada homem com quem me relacionei.
Não passo de um momento. Momento em que estive sôfrega na boca de um, em pé diante do outro, extasiada com os lábios preenchidos, obediente olhando para o chão, mandando sobre as costas, deslizando na água, murmurando num ouvido, exalando paixão, em silêncio contemplando o depois.

Sou sincera demais para ser promíscua, sou humana demais para corresponder suas expectativas de amor platônico e cristão. Sou demais para vocês.

domingo, 13 de julho de 2014

O Pequeno Crimonoso

Imaginou-se na frente de um espelho e entrou em pânico ao ver o sumo sanguinolento na boca, manchando os brancos dentes. Dedos sujos denunciavam a cor do crime.
Ouviu o tiro e saiu correndo, coração disparado. O medo de ser pego o atordoava. Seria seu fim? Não conseguia pensar e nem ver nada direito, vista embaçada, pernas bambas; era o surreal efeito da adrenalina.
Avistou uma moita há uns dois metros, onde prontamente se jogou. Com ouvidos atentos, respirava devagar, tentando acalmar-se e não fazer barulho algum. Ouviu galopes de cavalo se aproximando. Sentiu quando eles desceram e caminharam. Fechou os olhos, certo que não teria mais jeito...
Depois de uns minutos, ouviu os cavalos partindo. Olhou de lado e eles tinham ido embora.Saiu feliz no meio do bosque, mais um dia perfeito.
Amanhã voltaria para continuar roubando as amoras frescas do pé.


sábado, 12 de julho de 2014

Havia um outro

Até meados do ano passado havia um outro blog e eu escrevia com uma "certa freqüência" (adoro trema). Porém, eu me cansei dele e o desativei, apesar de ter continuado a escrever.
"Memória em Devir", gostava do título, gostava da descrição, mas não gostava da cara sombria. "Um belo dia resolvi mudar...", repaginada no visual, apesar dos conteúdos continuarem a ser os mesmos: poemas, literatura em geral e blá blá blá sem sentido. ;)